Esperei meu amigo Walter Egon terminar o gulasch de cogumelos, observando-o rasgar fatias de pão francês e raspar o resto do molho cor
de páprica do prato, até empurrar aquela louça redonda e recostar com ar de felicidade talhada na face.
Eu queria pegar a deixa e elogia-lo. Eu queria elogiá-lo, dizendo que ele era um dos frequentadores habitués do Bistrô PortoSol que conseguiram atravessar a "linha do équador do salsichão" de nossa teverna austro-húngara... amarrando uma analogia com o tal "Weißwurstäquator", a "linha do equador do salsichão branco" da Baviera, detalhe. que pretendo plantar numa das minhas futuras malas diretas sem alça.
Mesmo depois de mais de 10 anos de janela, ainda há frequentadores do Bistrô PortoSol, que jamais pediram outro prato, outro petisco, a não ser linguição ou salsichão... O destemido Walter Egon não se deixa afugentar por pratos exóticos no cardápio, como Gulasch de cogumelos, a Receita Medieval ou Powidltascherln, a nossa sobremesa tcheca.
Walter Egon deu um longo suspiro, parecido com um arroto. Ele ignorou o que falei, voltando ao tema "autor, editor versus leitores".
Ele tinha que assistir aquele capítulo da novela "Avenida Brasil", justamente na parte onde a vilã mostra à mocinha uma estante de livros
falsos, ou seja, uma parede inteira de um cômodo formada por uma biblioteca de mentirinha, ostentando apenas casquinhas de capas de livro.
Ora, quanta gente boa não exibe em seus gabinetes no alto de alguma torre fincada no condomínio Omegaville, estantes cheias de obras aparentemente sérias, compradas há décadas pelo reembolso postal?
Nenhum volume com sinais de desgaste visiveis, nenhuma prova de que algum desses exemplares sequer tenha sido folheado...
- Não é fácil redigir um texto que culmine numa peripécia, num chiste, num ponto inesperado -, disse Walter Egon.
- Curta prosa é como uma luta de judô. O autor às vezes consegue um "ippon"... O problema é que tanto o espectador dessa arte marcial quanto o leitor precisam ter algum preparo para perceber ippon e peripécia respectivamente.
No contato virtual e nas redes sociais, os usuários têm lançado mão de onomatopéias como kkkkk, quiaquia, hahahaha para mostrar que é para dar risada da mensagem e para que o interlocutor peso pesado não perca a piada. Será que esse jeiro contaminará um dia a literaura?
No teatro há a figura do "claqueur", da "claque", figuras misturadas ao público que aplaudem ou soltam gargalhadas na hora certa. Os olhos de
minha memória enxergam tabuletas erguidas mais ou menos discretamente, instruindo os espectadores, mandando-os rir, gritar, aplaudir.
Até na última novela de Miguel Falabella usaram esse recurso de uma forma sonora e por demais exagerada.
O povo precisa cada vez mais dessa ajuda?
O que seria do mercado literário sem as listas de Best Sellers, sem as críticas literárias, sem a voz de algum renomado figurão que nos diga
qual livro comprar? -
- Já entendi! -, falei. - Na próxima encarnação, em vez de um exótico bistrô austro-húngaro, abrirei uma pizzaria! Uma pizzaria ou uma creperia com música ao vivo bem alta, para que ninguém tenha que se envolver num papo cabeça, podendo usar a boca epenas para comer...e os olhos para ver bundas se remexendo no palco!"
prost
Reinhard Lackinger
o taverneiro risonho do Bisrtô PortoSol
www.reg.combr.net/bistro.htm
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