segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Barulho do Baralho



- Há barulho normal ou inevitável -, disse R., o novo paciente do manicômio judiciário.
- Há ruídos que são inevitáveis e outros tantos perfeitamente evitáveis - explicou.
- Já morei próximo de indústrias. Havia uma linha de trem passando a menos de vinte metros de meu quarto. Eu conseguia contar o número de vagões só pela mudança do som das rodas batendo nas emendas dos trilhos. Era barulho inevitável e normal. Não me assustava, nem me tirava do meu sossêgo, o meu sono.

Se eu tivesse estudado psicologia, entenderia a razão pela qual o indivíduo não se assusta com ruídos normais e inevitáveis.
O som que o vento produz ao agitar as copas das árvores, ou o mar, quebrando as ondas na praia, nos rochedos. Nem o barulho dos automóveis com silenciosos intactos e ônibus com os freios regulados assustam. Alguns motoqueiros saem da linha. O resto é burburinho normal da rua. Não assusta! Não coloca ninguém em estado de alerta! Pelo contrário, acalenta!
Já passei noites em claro, sofrendo a ausência de ruídos. Estava em viagem e cansado por ter dirigido o dia inteiro de Paris até Kopfsberg bei Iggensbach. Mais de 1.000 km ao volante e depois meia dúzia de canecas de cerveja durante o jantar, antes de cair nos edredons.
A falta de barulho me despertou. Eu olhava pela janela e para a noite gélida, observando a beira da mata alemã. Ainda não era hora de algum gamo ou veado sair da "madeira" para pastar e se deliciar na grama cheia de orvalho.

O cérebro humano seleciona os ruídos. Barulho normal, ou seja, o som que não oferece perigo, recebe "um visto permanente", uma licença e um sinal verde.
Por outro lado, qualquer ruído anormal e fora do script, o som, onde deveria ter uma pausa, arranca o indivíduo do sossêgo e catapulta para um estado de alerta total.
Os que estudaram a mente humana chamam o estado mental da pessoa que sofre constantes interrupções do sossêgo por ruídos fora do comum ou evitáveis de stress! "Poluição sonora deixa a gente maluca", diz o Dr. Mittagsruhe, diretor desta instituição -, disse R., o novo paciente do manicômio judiciário.

- Como vigia noturno acostumei-me com os ruídos normais da rua, do trânsito, do burburinho da vizinhança, conseguindo dormir de dia. Pelo menos até aquela hora no meio da tarde, quando costumava passar o miserável do vendedor de pão com a desgraça da buzina! Aquele estrondo não era inevitável e sim pefeitamente evitável, além de ilegal! Há uma lei do Controle da Poluição Sonora que diz claramente que é proibido acionar uma buzina com a finalidade de chamar alguém que mora no decimonono andar do prédio, despertando toda a vizinhança, menos o comparsa do buzinador. Já falei para ele vir até a portaria e usar o interfone e já me prontifiquei em interfonar para o ap. 1904, mas o buzinador me olhou como quem olha para uma sinaleira com o parabrisas embaçado.
O buzinador motorizado não me estressava! Quando ele passava, já estava no trabalho.

O meu problema era filho da mãe do vendedor do pão. Já pensou ser arrancado todo dia do sono profundo por uma corneta do inferno tipo carreta Scânia? Nem em estádio de futebol usam geringonças potentes como essa.
Fui falar com o dono da "biboca" de onde saem os vendedores de pão, empurrando carrinhos de mão com enorme cesto coberto por uma lona listrada de azul e branco. Expliquei a minha condição de vigia noturno, dizendo que era despertado todo santo dia pela corneta pneumática montada no carrinho de pão para chamar a clientela de todo bairro e adjacências. Falei para o vento. Nada mudou.
Voltei até aquela portinha que originalmente era uma garagem e perguntei se ele, o don, me dava uma nota fiscal se eu comprasse alguma coisa na mão dele. Não havia nota fiscal e eu não consegui nenhum nome do estabelecimento para denunciar na delegacia.

- Agora você entende o porquê eu estar aqui -, disse R., o novo paciente do manicômio judiciário. - Se eu lhe puder dar um conselho -, finalizou R., o novo paciente do manicômio judiciário. - Procure tolerar todos os barulhos inevitáveis ou não, toda toda sujeira e toda desordem nesta cidade. Tente com fé... pelo menos até o fim deste ano! Caso contrário você vai ficar maluco que nem eu e passar o resto de seus dias nesta instituição! -

Napoleão Bonaparte

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