... ou o eterno conflito entre gerações
Alois Brandstetter, professor emérito da Universidade Klagenfurt / Áustria, onde lecionava germanística antiga e história, é autor de um montão de livros, e desde o fim dos anos de 1960 é dono de uma fazendola na terra natal dele, na região de Wels na Alta Áustria... do outro lado dos alpes austríacos.
Alois Brandstetter é filho e neto de agricultores.
O pai dele nasceu no finzinho do século XIX como caçula de... salvo engano... quinze filhos nascidos vivos.
Certo dia, quando Alois lhe mostrou a propriedade que comprara, o pai a reprovou de cara, achando os terrenos íngremes demais para qualquer atividade agrícola.
"Pirambeira pura", dizia com ar de desgosto.
Alois comprou aquela fazendola para servir de refúgio, não para produzir nada além do que o pomar lhe oferecia.
O velho Brandstetter, que a vida inteira lutou, plantou, colheu, criou animais, prestando serviços de moagem de cereais, aproveitando ainda o riacho para gerar energia elétrica para sí e alguns vizinhos, a fim de sustentar a família com doze filhos, não compreendeu que alguém pudesse ter um pedaço de terra, sem querer explorá-lo economicamente.
Alois deve ganhar bem como catedrático, além de auferir uns trocados com os honorários dos livros publicados... alguns traduzidos até para o americano, como me contou.
Alois tem mulher, dois filhos, mas ao contrário dos antepassados, ele não tem as mãos calejadas, nem receio de perder a colheita para uma chuva de granizo. Alois, que nasceu em 1938, pode não plantar nada além de umas ervas, tomates e pepinos por diletantismo para o consumo próprio, porém pratica a agricultura de outra forma!
Ele transformou o celeiro dele num museu de artefatos antigos!
Esse celeiro está cheio de todo tipo de tranqueira, que os agricultores de antigamente usavam para plantar, colher e beneficiar os frutos que obtiveram da terra. Apesar da poeira, vale a pena pegar naquelas ferramentas rústicas, recipientes e partes de equipamentos feitos de madeira e de ferro... testemunhos de uma época, em que ainda não havia plástico, muito menos fibra de vidro ou fibra de carbono, quando a tara ainda tinha enorme peso! Ao levantar um daqueles baldes usados antigamente para ordenhar as vacas de madrugada, a gente tem uma boa noção de como era penosa a vida dos agricultores de gerações passadas.
Alois não precisava fazer muita força para aumentar a coleção de objetos antigos.
Novos vizinhos, ao reformar propriedades adquiridas de quem já não pretendia mais ser fazendeiro, o presenteiam toda hora com o que para eles é apenas lixo. Novos donos de fazendas sendo transformadas em casas de campo, com cercas vivas, arbustos tosquiados que nem poodles de madame e grama tipo campo de golfe, substituindo pomares, e plantações de batatas e milho.
Penso que é bom e salutar o pai de Alois não ter que presenciar mais essa "desvirtuação" do campo.
Agricultura na Áustria de hoje...
...só com equipamentos moderníssimos, em terrenos, que permitam o uso dessas máqinas.
As subvenções agrícolas, que o governo dá para os fazendeiros, não estimulam muito a produção de alimentos que dependem do emprego da força manual. Não é difícil imaginar qual o assunto que costuma rolar nas tavernas austríacas entre os velhos fazendeiros, que já passaram o comando da propriedade para o filho mais velho.
É fácil falar em conflito de gerações! Prefiro viajar nos textos de Alois Brandstetter, de Franz Stelzhamer, de Peter Rosegger, nas minhas próprias lembranças e no cardápio de nossa taverna austro-húngara.. .
Por falar em minha própria vida... fui ser metalúrgico e ferramenteiro, pisando nas pegadas de meu pai. Vivi uma época, em que o emprego de ferramentas manuais era vital na fabricação de componentes de máquina, fazendo ajustes. Vi essa importância se esvair mesmo antes do surgimento de máquinas operatrizes com comando numérico. Não foi fácil motivar os alunos do curso técnico de mecânica no manuseio de ferramentas de corte.
Não adiantou muito falar naquela cunha de metal mais duro penetrando na superfície do aço e de metais não ferrosos... Conhecimento necessário para a operação de quaisquer máquinas operatrizes... a garotada só pensava em passar no vestibular para medicina, para direito ou economia...
Penso que a minha habilidade no manuseio de ferramentas manuais tem hoje a mesma importância que tem um mecânico consertador de máquinas de escrever... ou seja, nenhuma!Já não me resta quase ninguém com quem pudesse falar a respeito. As dificuldades de ontem, "os leões que matamos" diariamente, já não significam nada para a geração atual.
Vejo como todo ser antigo, como a vida fica mais fácil ao passar das gerações...
Na minha época, muitas profissões além de um conhercimento teórico, dependiam de força muscular. Quem era franzino e fraquinho, virava confeiteiro, cabeleireiro ou alfaiate.
Como todo ser antigo, espero que os jovens de hoje usem e aproveitem os avanços tecnológicos para o bem da humanidade, para a produção de alimentos saudáveis para todo mundo, para criar condições dignas e paz para todos os povos...
O que a minha geração fez a esse respeito?
O que nós fizemos mais do que os nossos pais, que se envolveram ou foram envolvidos década sim, outra também em guerras e conflitos sangrentos? Entendo o pai de Alois Brandstetter, como entendo a rabugisse dos mais velhos, que lutavam nas guerras e contra dificuldades que ninguém mais conhece.
Entendo a rabugisse de quem espera mais resultados positivos e melhores coisas de uma geração cercada de mimos eletrônicos... Entendo a rabugisse de quem não se conforma com o desperdício de hoje... principalmente do tempo supostamente perdido diante do computador.
Lembro ainda de Osmar Macêdo, inventor do trio elétrico. Ele não me parecia rabugento, embora deixasse claro para todo mundo o descontentamento dele com a evolução nefasta de sua criatura, que havia virado um monstro medonho de umas 50 toneladas.. já não mais fomentando apenas aquela leveza frívola do carnaval de antigamente, tendo sido transformada numa simples máquina para fazer dinheiro.
Para escapar do aparente caos da pós-modenidade só há uma rota de fuga : o caminho mais próximo para o Bistrô PortoSol com sua decoração retrô, sua trilha sonora antiga e seus acepipes da Monarquia do Danúbio.
abraços gastro-etílicos
Reinhard Lackinger
o taverneiro do Bistrô PortoSol www.reg.combr.net/bistro.htm