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Eu já escrevia antes de me tornar taverneiro, mas nunca os meus textos fluíram como agora.
Deve ser a vibração do bistrô, o clima provocado pela clientela seleta do Bistrô PortoSol.
Pudera, nosso espaço é frequentado por jornalistas, escritores, professores universitários, médicos, juristas, comerciantes, pesquisadores, psiquiatras, dramaturgos, atrizes, atores, políticos, músicos, estudantes, engenheiros, arquitetos, urbanistas, empresários e até por analistas de sistemas.
Estou certo de que toda essa aura de intelectualidade é que vem turbinando o meu cérebro um tanto limitado, apesar de meu QI alto... em torno de 57.
A bem da verdade, há sempre alguém que me abastece com informações sobre um lugara visitar na próxima viagem à Serra Gaúcha, sobre como cuidar melhor do aquário, uma dica de uma receita tailandesa, ou um ponto de vista novo acerca de um assunto do qual eu nunca havia ouvido falar antes.
Um bom exemplo está no que o famoso psicólogo de massas Shmuel Gefiltfish y Mazzesme falou outro dia.
- Você é cinéfilo, pois não? -, perguntou ele, olhando para as fotos de atrizes e artistas, e para os cartazes de cinema na parede de nossa taverna temática de culinária austro-húngara.
Expliquei a ele que cultivamos comida caseira tradicional e artesanal austríaca dos anos 50 e do pós-guerra, quando todos aqueles rostos na parede estavam fazendo sucesso e parte de nosso consciênte coletivo.
Uma época, em que eu, garoto e adolescente austríaco, fixava os sabores da cozinha de minha mãe, trazendo-os anos depois na minha cachola, na minha memória para o Brasil.
- Num recente estudo -, disse Gefiltfish y Mazzes, - num recente estudo ousei comparar habitantes da Europa com coadjuvantes de algum filme.
Austríacos por exemplo já nascem assumindo o papel secundário em alguma peça teatral. Não importa o script. Eles são excelentes transeuntes, passageiros de transporte coletivo, carteiros, faxineiras, taverneiros, professores, turistas e ocupantes de uma cadeira na última fila de uma casa de espetáculo. A elegância com que eles jogam algum lixinho na cesta apropriada - eles são doutores em coleta seletiva - , ou cedem o lugar para uma pessoa idosa, é impressionante. Seus patrícios,os austríacos, são coadjuvantes de primeira! A certeza de que o grande protagonista do país deles é a coletividade, está escrito em letras gigantescas e luminosas no semblante de cada um. Eles têm orgulho disso! Eles têm orgulho de fazer parte desse coletivo! Eles, os austríacos, os alemães, os suiços e até os espanhóis.
Já na Bazófia Oriental, país à beira do Mar Asmo, entre a Bessarábia e o Maghreb, a coisa é bem diferente.
Na Bazófia Oriental, cada indivíduo um é protagonista! Cada habitante é ator principal da própria soap opera, da própria tragicomédia...mais ou menos tosca. Cada um se comporta no trânsito como se estivesse só. Cada um dirige, como se estivesse no caminho da roça dele. Cada um suja o ambiente urbano como se a mucama dele limpasse o rastro de lixo deixado por dele. Cada um fura filas, passa a perna nos outros. A palavra "coletividade" não existe no dicionário bazofiês. -
.- Você não deve gostar muito daquele país... da "Baztófia"-, falei para ele.
Pelo contrário!!! -, respondeu ele. - A Bazófia Oriental é um dos lugares mais animados e charmosos do planeta. Enquanto em países como a Áustria as pessoas parecem sentir um receio permanente de comenter algum erro, agindo como se seguissem cegamente algum protocolo estranho... para forasteiros.. e até para eles próprios, parecendo soldadinhos de chumbo adestrados... enquanto na Áustria de hoje bate um tédio medonho e "cemiterial" pela impossibilidade de se viver espontâneamente, a bagunça da Bazófia Oriental está cheia de vida.
Como não há regrinhas cumpridas ou respeitadas, nenhuma ordem, ...como na Bazófia Oriental se vive um eterno "salve-se quem puder", com transgressões para todo lado, as pessoas são obrigadas a negociar, a paquerar e até a brigar umas com as outras, a fim de obter seus direitos. Isso faz com que os bazofianos se aproximem uns dos outros. Isso cria inclusive um flair de erotismo!
O Brasil e principalmente a Bahia também tem um pouco desse calor humano, dessa doideira. Por isso gosto tanto de vir a Salvador toda vez que meus estudos e os meus patrocinadores permitem.
Deve ser também por esse motivo que muita gente escolhe a sua taverna temática. Ela tem um charme que nenhum templo de fast food com drive tru automático e impessoal consegue ter...
Antes dele concluir o pensamento, somei ao consumo dele à despesa de outro dia, quando ele saiu sem pagar, enfiei a conta na salva e a coloquei diante dele. Com Shmuel Gefiltfish y Mazzes a gente não pode brincar em serviço.
Prost!
Observe as fotos acima: As primeiras duas fotos mostram zonas de pedestres na Áustria.. isto é... muita urbanização para pouca gente. Muito concreto para pouca vida! Já a última e terceira foto mostra a vida que brota de cada rua em cidades brasileiras.
Reinhard Lackinger o taverneiro do Bistrô PortoSol www.reg.combr.net/bistro.htm
Nota do taverneiro: há no universo de artistas e pensadores gente rara atraidos como protons, eletrons numa usina nuclear de besteirol... como era a turma de Salvador Dalí, com Paul Eluard, Gala etc. .. é o que me ocorre no momento. O Bistrô PortoSol está se tornando um espaço desses, apesar das maluquices do taverneiro.
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