quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

40 anos vivendo na Barra


Os quilinhos a mais
desse corpitcho,
os cabelos grisalhos
e a minha
cara metade
Maria Alice,
que conheci a exatos
40 anos e
em 29/12/1070
são testemunho de minha vida na Barra e arredores!
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Brincadeira do destino, alguém querer que eu escreva sobre a Barra, exatos 40 anos depois de vir morar em Salvador.
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O primeiro ano e meio no Brasil trabalhei no interior da Bahia, que naquela época mais se parecia com um Jurassic Park, com um cenário do filme "O Nome da Rosa", criando o ensino metalúrgico na comunidade de Jequitibá, município de Mundo Novo, antes de aceitar o convite para vir lecionar na Escola Técnica Federal da Bahia, morando numa pensão no Barbalho.
Da Barra, até então, só conhecia a Praia do Farol, o consulado da Áustria e a residência de nossa querida e saudosa consul Eva Adler.
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( Ligue o som: "As terras do Brasil ensolaradas, la la lá la..." )
Foi no baile de formatura da Escola Técnica, logo alí na AABB - onde hoje fica o supermercado da Rua Barão de Itapuã -, que me apaixonei em dose dúpla!
Vestindo o meu terno alemão, e cheio de mesuras austríacas, pedi a linda moça para dançar.
Ela, cabelos mechados, blusa branca, saia longa tricolor e uma conversa agradável, com voz de veludo... quando aconteceu um incidente: o salto da sandâlia da jovem quebrou.
Na Áustria de minha época, isso seria motivo para sentar à mesa e voltar para casa... porém aquela garota não titubeou, chutou o calçado para longe e continuou a dançar descalça.
Foi naquele instante que ela me ganhou.
No fim da festa, dia claro e ensolarado, eu a levei para casa... junto com a irmã e um séquito de amigas, que morvam na vizinhança da Rua Alameda Antunes. Isso aconteceu no dia 29 de dezembro de 1970 e nunca mais desgrudamos.
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O entorno da casa dos pais da jovem, a Barra Avenida com a Praia do Porto da Barra passou a ser o novo cenário de minha vida.
Namorávamos passeando até o Barravento ou até o Oceania,mcom Vovô trazendo Campari, Gim Tônica e Provolone à milanesa.
Até as caneladas involuntárias nas cadeiras pesadas de jacarandá do Van Gogh têm lugar sagrado em meu coração até hoje.
Esse era o pano de fundo para nova aprendizagem... na varanda da casa número treze, esperando a kombi da Primavera... um sorevete e um beijo de boa noite.
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Eventual bagagem cultural trazida da Europa, não parecia valer muito.
Como decidi viver apenas entre brasileiros, tive que aprender tudo do zero.
Não atinava em nada! Não conhecia ninguém, nem letra de múscia. Muito menos matemática moderna para passar no vestibular...
Só sabia a escalação da seleção canarinho, que acabara de ganhar o Tri!
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Entre acordes de Haroldinho Sá, compondo no quarto ao lado, bebendo as palavras do sogro, o Eng. Haroldo Lopes de Sá, e tudo mais que herdei em forma de cunhadas, cunhados e amigo, consegui fazer uma pequena idéia do mundo em que fui viver.
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( Aumente o som: "... tem Jacú na rua, te querendo bem...")
Resolvi torcer pelo Baêêêa, o que melhorou e muito a minha intergração nesta terra.
Logo logo era conhecido como aquele torcedor maluco que gritava com sotaque engraçado.
A mortalha azul, eu vesti até 1980, quando o Jacú virou branco.
Preferia aquele pássaro preto, com olhar sacana, olheiras profundas e chope na asa.
A banda do Habeas Copos colocando alegria no coração de todos os foliões presentes.
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Fui ser sócio da Associação Atlética da Bahia.
Tentei aprender a jogar tênis. Nunca ganhei mais do que uma bruta sede, aliviada com umas "Brahmas" geladas trazidas por Coruja e Vermelho.
Era uma confraternização permanente. Via Yoshida passar de quimono, ouvia as histórias sobre Cachoeira de Onofrinho da Bahia. curtia as noites no salão e os domingos de eleição.
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Para austríaco ir à praia ... em Grado, em Lignano, em Rimini implica viajar umas cinco a sete horas... de junho a setembro. Em meu mais novo habitat bastava levantar o traseiro e caminhar uns 500 metros... a qualquer hora, de janeiro a janeiro.
Além disso, o litoral da Barra dava e dá de goleada em qualquer cidade praiana do mar Adriático.
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( Aumente o som mais um bocadinho: "Apesar de você, amanhã há de ser, outro dia.." )
Para ser sincero, volta e meia há uns diabinhos invadindo esse nosso paraíso tropical.
Há quem veja nessa bagunça mais ou menos alegre uma conspiração a favor dos shopping centers climatizados, isentos de pedintes, mijões e pontos de lixo.
Apesar de certas máculas nesse jardim do Eden da Barra, só sairei daqui para o Campo Santo. Pode não ter muita ordem neste nosso lindo bairro, mas há vida brotando a cada centímetro quadrado!
Adoro passear pela Barra, encontrar pessoas conhecidas como o Zé Vieira com sua esposa Alice, Saul, o ex-árbitro de futebol, Maria e Esther vindo da missa na capelinha, o professor Arquibaldo, Geraldo e Rubinho, Olga, Paulo, o pianista, Joce o contrabaixista, Chiquitinha dobrando a esquina, Praxedes, Marivaldo e Roberto Alemão nas suas respectivas bancas de revista.
Dilo, que até outro dia servia boa comida, resolveu fechar o restaurante e nos deixar, juntando-se a Roberto Rebouças, Dudú Bacalhau, Camilo e tantos outros lá no andar de cima...
Até aquele baixinho, outrora responsável por papel higiênico, jarra d´água e bacia no famoso 63 na Ladeira da Montanha ainda anda pelas Ruas da Barra... e lá vem o poeta Bernardo do supermercado, com versos e ofertas na ponta da língua.
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( "...Domingo no Porto da Barra, todo mundo agarra, mas não pode amar..." )
Penso nisso, enquanto fico sentado diante de nosso Bistrô PortoSol, a poucos passos da Praia do Porto, esperando pelos primeiros clientes da noita. De terça feira a sábado.
Observo com gosto a vida alegre, os pescadores, segurando um dentão ou um dourado pelo rabo, encomenda de Enoque; trabalhadores da praia, carregando cadeiras de lona, caixas de isopor e sombreiros e banhistas indo para casa.
De muita gente que passa, sei até o apelido. O Buda, o Dunga, o Chicharro, o Marco Rodinha, o Arroz.
Batista e criador da maioria das alcunhas, "Dudú de Lurdes e Nita", também criou o cognome de Bilé, e de "Paulinho Boca de Cantor".
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Tudo que é bom é alvo de invejosos! Com a Barra não é diferente. "Ojú kokoró", se diz em Yorubá, "olhode chave" = olho gordo, em baianês, quando alguém fala mal de nossa Barra, que apesar de tudo que falam e escrevem, é um dos bairros mais lindos e seguros da cidade, graças à polícia e um detalhe geográfico importante: praticamente não há rota de fuga para eventual meliante escapar.
A qualquer hora há grupinhos de gente reunidos, enquanto na Áustria já no início da noite, você não vê ninguém na rua. Na Barra é assim: antes mesmo que o último retardatário chegue em casa, os primeiros já apanharam a varinha de pescar ou a peteca e foram para a praia.
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( "Quando o inverno chegar..." )
Hoje, com 40 anos morando na Barra, não penso mais em carreira profissional. Faz tempo que o meu universo é composto apenas de panelas, pratos, copos e os ingredientes para comida caseira austríacae húngara, que preparamos de modo tradicional no Bistrô Portosol.
Ainda torço pelo Baêêêa, mas torço ainda mais pela Barra, para que surjam mais lojas e restaurantes bons e transadinhos, conspirando a favor de uma vida mais ordeira em nosso bairro.
Mesmo não tendo mais idade, nem físico para jogar tênis, aguardo com simpatia o dia em que minha mulher e eu voltemos a frequentar a Associação Atlética da Bahia.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto. Me deixou curioso sobre a sua passagem pela Escola Técnica, onde estudei - depois conversaremos.
    Um feliz ano novo para todos do Bistrô.

    Sangiovanni

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